
Por Marco Aurélio Parodi
O Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão e deixou milhões de trabalhadores negros e suas famílias à própria sorte. Mesmo com as dificuldades e sofrimento atroz, na década seguinte à suposta “libertação”, muitas famílias conseguiram se reerguer e prosperar residindo em cortiços, casas, prédios e periferias das grandes metrópoles. Já na zona rural conseguiram se fixar no campo como pequenos proprietários, até serem expulsos de suas casas e de sua cidadania nas reformas urbanas e “sanitárias” no Rio de Janeiro e outros estados, perpassando pelos massacres em Canudos e na Guerra do Contestado no início do século XX e na grilagem e servidão. São décadas de deliberada marginalização de milhões de jovens, presos, torturados e mortos pelas mãos do Estado Brasileiro comandado por uma elite majoritariamente branca, propagando o racismo que moldou nossa sociedade!
Contra toda essa estrutura abominável temos em nosso ordenamento jurídico o princípio da dignidade da pessoa humana que é um direito fundamental insculpido na Constituição Federal de 1988, conforme artigo 1º, inciso III.
O princípio da dignidade da pessoa humana sustenta, agrega e concentra o sistema constitucional ao redor de seus subprincípios: liberdade, igualdade material, solidariedade e integridade psicofísica. Sem olvidar, em vários casos, a interligação e, até mesmo, dependência existente entre eles, a fim de salvaguardar os direitos humanos.
Para se tornar viável a dignidade humana, cabe ao Estado o dever de respeito, proteção e promoção para o pleno exercício dos direitos fundamentais.
No caput do artigo 5º da Constituição Federal, todos são iguais perante à lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança. Nos termos do inciso XLII do mesmo artigo, a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão.
Por conseguinte, a violação a vida e a dignidade de milhões de brasileiros pela prática de racismo, portanto, não consiste em tratar de forma desigual a humanidade diversificada, mas, sim, de forma específica, visto que alguns grupos demandam maior suporte pelo ordenamento jurídico e político do que outros, na tentativa de reparar as abominações do passado e as mazelas do presente, resguardando, assim, o futuro e o convívio digno e igualitários de todos nós.
Para isso é preciso compreender o conteúdo jurídico desse conjunto normativo que orienta a aplicação de medidas legais no combate ao racismo.
É indispensável analisar a lei nº 7.716/89, em consonância com o atual ordenamento constitucional, que substituiu a antiga Lei Afonso Arinos. Ela define crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor para a compreensão de sua exata interpretação, tipificando todas as condutas de preconceito e discriminação que impliquem em tratamento diferenciador tendo critérios como a cor, a raça, a etnia, a religião e a procedência nacional. Nos demais artigos da referida lei, temos as condutas típicas e as penas cominadas em decorrência de crimes de racismo em espécie.
No Código temos previsto o crime de injúria, previsto no artigo 140, parágrafo 3º. A injúria qualificada (preconceituosa) prevista neste mesmo artigo 140, § 3º, é conhecida como injúria racial e consiste na vontade de ofender a honra de alguém se utilizando de elementos referentes a raça, cor, etnia e religião. A injúria qualificada tem como pena a reclusão de um a três anos e multa, e é um crime muito recorrente na nossa sociedade.
Tais previsões legais vão de encontro com a tentativa do Estado em reparar moral e materialmente através do Judiciário, a população negra que diariamente é atacada por setores retrógrados e fascistas da nossa sociedade.
Marco Aurélio Parodi de Andrade é carioca, socialista, advogado ativista, formado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense-UFF, sócio do escritório Normando Rodrigues e Advogados, integrante do Instituto Direito à Esquerda – IDE, assessor jurídico do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense – SINDIPETRO/NF e da Federação Única dos Petroleiros – FUP e membro da diretoria da Associação de Assistência e Desenvolvimento da Criança e do Adolescente com Necessidades Especiais- ADECANES.