4 de September de 2023
No “ceio” da pátria
Normando Rodrigues
Eram tumores malignos ocultos, ou nem tanto.
Sabíamos da tia viúva da ditadura que aplaudia enfiar ratos vivos nas vaginas das militantes de esquerda; do síndico saudoso de botar no pau de arara “tudo quanto é maconheiro”; do latifundiário para quem “justiça” é aquilo que sai do cano das armas de seus jagunços.
Convivemos com esses estrupícios por décadas, criticando aqui, reprimindo ali e quase sempre relegando-os ao ridículo. Rimos muito deles.
Miguel Falabella definiu seu Caco Antibes como não só um mero escroque, golpista e corrupto, mas também como um arraigado defensor do abismo social, com nojo de pobre, racista, misógino e homofóbico.
Foi com esse viés que projetaram para todo o país o orgulhoso genocida Bolsonaro, irresponsavelmente negligenciando a possibilidade de a massa deixar de rir “dele” e passar a rir “para ele”. E então a moral de um guarda de campo de extermínio da Alemanha fascista passou a ser a referência de “politicamente correto” para mais de 30% de nossa sociedade.
A 19 de agosto a deputada estadual Marina do MST foi expulsa aos empurrões da praça da antes alternativa Lumiar, Nova Friburgo, por uma horda açulada por vereador fascista.
Marina pretendia falar para os mesmos pequenos proprietários rurais que a expulsaram e que constituem mais de 90% dos agricultores da região. O gado, porém, comprou a mamadeira de piroca vendida pelo edil bolsonarista e atuou em defesa dos interesses daqueles que os exploram. Normal.
Normal porque o grande feito do fascismo é mobilizar pela violência o negro contra o antirracismo, a mulher contra o feminismo, o trabalhador contra os sindicatos e até o juiz contra o direito.
No dia 23 de agosto o MST convocou um ato público de desagravo para o mesmo local, a se realizar no dia 27. E com a celeridade que não se vê em nenhum processo em defesa de um pequeno lavrador, a associação chamada “Ação Rural da Paróquia de São Sebastião de Lumiar” no mesmo dia ajuizou e obteve liminar para proibir a manifestação do MST.
Em decisão eivada de preconceitos, o juiz Sérgio Louzada atribuiu caráter violento ao convocado desagravo, mas não à expulsão de local público de uma parlamentar no exercício de seu mandato.
Em seguida o exímio magistrado qualificou a “ação rural” como “entidade religiosa”, o que não é, e afirmou que a realização do ato do MST significaria “imposição de posicionamento político” e um “desrespeito à consciência moral da comunidade”.
Antes, ainda, o julgador explicitou o incômodo da presença de Marina “no ceio de famílias agricultoras”. Sim, “seio” com “C”.
Há lógica na grafia. O “ceio” do censor vem da “ceia” dos poucos que mandam, cujo cardápio é feito da fome de muitos.