3 de May de 2023
A internet é um mar aberto. As redes cibernéticas que se lançam sobre ele possibilitam ao pescador caçar o seu peixe, mas também permitem que o próprio pescador seja pescado. Isso porque a internet, apesar de ser importante ferramenta de busca e facilitação do trabalho, também é espaço para crimes virtuais de muitas espécies, entre eles, o phishing – roubo de dinheiro ou identidade por meio do fornecimento de informações pessoais em sites que aparentemente são legítimos
Ou seja, o ambiente virtual pode ser palco dos mais diversos domínios e dominações, assim como um dia já foram as grandes navegações marítimas – época em que os Patrocinadores financiavam as colonizações.
No entanto, hoje não é preciso fazer viagens homéricas para se atingir todos os continentes. À distância de um “click”, as ondas da internet se propagam com ainda mais velocidade e são potencialmente causadoras de um tsunami.
É o que vem acontecendo no mundo inteiro.
A crescente preocupação com a regulação das redes sociais não é exclusividade do Legislativo brasileiro. Na verdade, tem-se assistido à uma tendência mundial de limitação aos chamados “faraoestes digitais” – cenários que podem colocar em risco a vida, a honra e o patrimônio das pessoas.
A legislação europeia, que inspirou a legislação brasileira em termos de Lei Geral de Proteção de Dados ( LPGD), também mudou os ventos da regulamentação de redes sociais no Brasil – e essa é a prova de que o assunto não está sendo ignorado em outros cantos do mundo.
Nesse sentido, apesar dos pontos sensíveis trazidos pelo Projeto de Lei nº 2630/2020 e dos naturais desafios que qualquer discussão recente suscita, disciplinar as redes sociais não seria limitar a liberdade de expressão, mas colocá-la na balança.
Na verdade, qualquer questão de direito acaba esbarrando no dilema da ponderação, mas atualmente a balança está pendendo para um lado: o do combate ao discurso de ódio, à difusão de notícias falsas e de outros conteúdos considerados criminosos em ambiente virtual.
O texto original do PL das Fake News não é tão recente quanto se imagina. Na verdade, para quem alega que a discussão é apressada, lembremos que, desde 2020, quando o Brasil e o mundo enfrentavam o início da pandemia de covid-19, o PL já estava sendo debatido.
Será que se tivesse sido aprovado já naquela época, muitas fake news sobre vacinas e sobre a própria doença teriam circulado e propagado tantas informações falsas? Possivelmente não.
Mas o fato é que o cenário de regulação das redes sociais também já não é o mesmo. Hoje se questiona não só a neutralidade das plataformas, mas a capacidade de promoção de conteúdos (que, quanto mais polêmicos, trazem mais visualizações e geram mais engajamento para os patrocinadores dessa neocolonização) .
A discussão sobre o projeto de lei ganha ainda mais força com os recentes acontecimentos dos ataques nas escolas e dos atos antidemocráticos do dia 08 de janeiro, pois percebeu-se, mais do que nunca, que navegar os mares nunca dantes navegados é preciso.
O Marco Civil da Internet (Lei nº 12965/14), apesar de ter trazido avanços, ainda encontra muitos desafios e não consegue dar uma resposta efetiva aos problemas vividos atualmente pela população brasileira.
Convém lembrar que essa Lei é de 2014 e que, de lá pra cá, várias mudanças tecnológicas e sociais já aconteceram. O próprio modelo de autorregulação de redes sociais previstas naquele diploma legal, por exemplo, está defasado, pois possibilita que as plataformas conduzam, de maneira livre e irrestrita, seus regramentos internos.
Hoje, sugere-se um modelo de autorregulação regulada, permitindo-se que os entes privados possam editar regras próprias, desde que essas regras observem os limites legais.
A diferença entre esses dois modelos é nítida e já pode ser percebida na prática: pelo Marco Civil, as plataformas são “intermediárias” e, portanto, não podem ser responsabilizadas por conteúdo criado por terceiros e nela compartilhados – sendo obrigadas a excluir conteúdos apenas em caso de decisão judicial.
O projeto de lei das Fake News, no entanto, não exime as plataformas de responsabilização pela circulação de conteúdos que se enquadrem nos crimes já tipificados na lei brasileira, tais como crimes contra o Estado Democrático de Direito e atos de terrorismo e preparatórios de terrorismo, por exemplo.
Outro momento marcante em que já se reconhecia a necessidade de regulação das redes sociais foi durante as eleições de 2022. Justamente por não haver regramento efetivo, é que o ministro Alexandre de Moraes havia estabelecido que “Para fins eleitorais, as plataformas e todos os meios das redes serão considerados meios de comunicação, para fins de abuso de poder econômico e abuso de poder político”.
Assim, não é de hoje que o discurso sobre moderação das redes sociais vem crescendo. Mas por que seria diferente? O Direito se presta a regular as relações sociais em seus ambientes – que, hoje, se estendem para outros meios: as redes sociais.
Apesar de ser evidente que o PL não agradaria a todos, chama atenção justamente o grupo que mais se sentiu incomodado com ele: as big techs, empresas estrangeiras como o Google. E essa inquietação nos faz refletir de outra forma: podem agentes privados internacionais interferirem tão radicalmente em assunto de relevância nacional?
Lembremos a posição que teve uma outra big tech, o Twitter, que, diante do Ministério da Justiça, se negou a remover contas e postagens que fizessem apologia à violência nas escolas, alegando que tais conteúdos não violam os termos de uso da plataforma. O emoji de fezes é a resposta automática para os e-mails encaminhados pela imprensa. Isso é liberdade de expressão, descaso ou certeza de impunidade?
O PL pode, deve e será mais discutido. A sua aprovação não é um engessamento de questões que podem vir a surgir. Na verdade, o que não pode existir é essa intangibilidade das plataformas e a falta de responsabilização pelo conteúdo que elas veiculam.
Por enquanto, os algoritmos ainda estão nas profundezas dos sete mares digitais. É evidente que este Projeto de Lei está longe de ser um aterramento da liberdade de expressão na internet, mas talvez seja um bote salva-vidas ou uma bússola que nos permitem navegar da melhor forma possível nesse mar que ultimamente tem estado tão revolto.
Texto de Leticia Mounzer.