22 de November de 2023
Por Normando Rodrigues
Nos estertores da Guerra Civil Espanhola, dezenas de milhares de militantes de esquerda, democratas ou simplesmente republicanos, cruzaram os Pirineus para buscar refúgio em França, durante o gélido inverno de 1938-39.
Dentre os expatriados estava o poeta Antonio Machado, que ao chegar no pequeno hotel onde viria a morrer escreveu uma breve síntese sobre o sangrento embate entre a 2ª República espanhola e o fascismo:
“… nunca aprendemos a fazer a guerra… Para os políticos, para os historiadores tudo está claro: perdemos a guerra. Mas humanamente não estou tão certo. Talvez a tenhamos ganhado.”
Machado não construía uma ilusão otimista, mas sim uma transferência de foco para a única frente mais importante do que a situação militar: o confronto ideológico.
A 2ª República espalhou pelo solo ibérico e aos quatro ventos do globo, sementes daquilo que é a razão de ser da esquerda e ao mesmo tempo a arma fatal contra o fascismo: a igualdade.
Foi por se afastar da igualdade e tratar do Estado como se fosse uma empresa capitalista (“ajuste fiscal”, “déficit zero”, “previdência equilibrada”) que a esquerda perdeu espaço para o primo dire(i)to do fascismo, o neoliberalismo.
E é em razão da hegemonia ideológica do fascismo e do neoliberalismo em nossa adoecida sociedade que se pode utilizar às avessas o dito de Antonio Machado: Bolsonaro, assim como Aécio em 14, perdeu a eleição para presidente de 22, mas ganhou a guerra. Sobretudo em termos de “desumanidade”.
Cada vez que um gestor público reproduz ou cede a um imperativo neoliberal, se reafirma a vitória de Bolsonaro. A todo instante em que o Estado pratica o fascismo e mata pobres para proteger os ricos, o monstro se consolida.
São concessões às dominantes ideologias irmãs, 24h por dia apregoadas pela mídia hegemônica sem o contraponto de uma política de comunicação de massas, por parte do governo. É uma disputa perdida por “W.O.”
Nessa toada, o fato midiaticamente fabricado de que a segurança pública será o tema decisivo das eleições municipais de 24 chega a ser “natural”, assim como naturalizada é a superexploração “terceirizada”, “quarteirizada” e “uberizada”, diligentemente protegida pelo judiciário.
Não sejamos injustos com as castas burocráticas. O judiciário julga não só para os ricos, como sobretudo para si mesmo, assim como as polícias estaduais e os bombeiros são “militares” sem outra justificativa que não seja o próprio interesse.
Ignorar o quanto o fascismo está presente e determina os rumos de nossa sociedade é uma perigosa forma de negacionismo, que atinge o status de crime contra a democracia quando se faz vista grossa à doutrinação fascista ministrada nas academias militares.
Enquanto isso, a cosmopolita elite brazuca se regozija por estar “alinhada” ao pensamento da elite mundial, sendo mais neoliberal ou mais fascista, conforme o interesse de momento. Via de regra, suas análises de conjuntura são mais precisas do que as da esquerda, contente com momentâneos resultados eleitorais e ignorante da verdadeira disputa.
Não seria preciso assistir ao holocausto palestino, onde agora são genocidas e fascistas as antigas vítimas do genocídio fascista, para perceber que a verdadeira disputa se dá com a prática e a ideologia fascistas, independentemente do praticante, de seu partido político ou das cores de sua bandeira.
E, por descuidar da verdadeira disputa, perde-se até o resultado eleitoral. Vide a mil vezes chorosa Argentina.