13 de September de 2024
Em agosto de 2021, o Império Americano saiu de Cabul com o rabo entre as pernas, varrido pelos mesmos fundamentalistas de Deus que havia apoiado contra a União Soviética, 40 anos antes.
O acontecimento alegrou os corações críticos dos que celebramos a luta anti-imperialista. Porém, em certos círculos a alegria se tornou delírio, e os integrantes de determinada seita trotsquista tupiniquim ousadamente declararam que as mulheres afegãs estariam em melhores condições sob o governo do Talibã do que em uma estrutura política fantoche dos EUA.
Outras seitas trotsquistas apoiam o fascismo ucraniano, o que pode ser hipótese de um psicodelismo ideológico. Contudo, o fato que interessa é outro.
Ocorre que a doença de quem se diz marxista-leninista-trotsquista, e ainda assim é pró-Talibã, é o reflexo oposto de outra moléstia, uma chaga que se constitui no problema maior da esquerda, no Brasil e no dito Ocidente em geral. Uma alucinação diametralmente contrária e todavia tão irreal e nociva quanto. Trata-se da lógica identitarista, segmentada e destituída de força transformadora, capturada e muito bem assimilada pelo mercado.
Ainda no exemplo do montanhoso país asiático, agora um emirado islâmico, o desvario identitarista afirmaria que a situação das mulheres justifica a manutenção opressora do imperialismo, caindo na rasteira arapuca da cega computação binária.
É a computação binária identitarista o que explica verem no indiscutivelmente grave episódio da importunação sexual de um ministro de estado negro, a uma ministra de estado negra, o fim do governo, da esquerda, das lutas sociais. O viralizado “retrocesso de anos”.
Um bom aproveitamento do episódio, e do “fim”, seria “dar fim” às explicações dissociadas do todo, como a do “racismo estrutural”, tão determinista quanto o mais raso e ortodoxo materialismo histórico da URSS. Aliás, se a esquerda se dispusesse a aprender com a história do feminismo na URSS, talvez descobrisse que o machismo, tal qual o racismo, é sim estrutural, mas não só. E talvez concluísse que não basta mudar as estruturas, ou empoderar negros e mulheres, para extinguir o racismo e o machismo.
Falta aos grupelhos e movimentos que atuam de antolhos nas causas feminista, antirracista, LGBT… e de quaisquer outros segmentos, uma lição pregada incansavelmente de Marx a Lukács, de Angela Davis a Susan Neiman. A lição segundo a qual a desarticulação entre bandeiras de grupos e uma pauta universal, torna os objetivos dos grupos particularistas. Não há emancipação do negro, da mulher, das pessoas trans, sem emancipação dos trabalhadores e vice-e-versa.
Objetivos particularistas não mudam o mundo.