29 de May de 2023
Além de demonstração da força e atualidade do fascismo, a inabalada popularidade de monstros genocidas tipo Trump e Bolsonaro permite a alguns tentar o resgate de Adolf Hitler.
Certa produtora de conteúdo sobre misticismo, veganismo e um suposto desenvolvimento pessoal, “causou” na Internet ao descrever o maior carniceiro da história da humanidade como uma personalidade carente de amor, que no extermínio industrial de milhões de seres humanos teria uma “boa intenção”.
O texto, talvez distorcidamente inspirado na antológica “Todo mundo quer amor” dos Titãs, afirma que “Hitler tinha uma intenção positiva por trás da merda toda que ele fez…”, intenção que era “purificar a raça dele”.
Há nesse tresloucado rompante a síntese de uma série de impulsionadores da ascensão do fascismo, um século depois de seu nascimento.
O primeiro e ululante vetor é algo que equivocadamente se considera inédito e exclusivo das mídias digitais. O fenômeno, porém, já ocorrera há séculos na invenção da imprensa, e novamente nos anos de 1900 com a divulgação do rádio e da TV.
Inéditas são a facilidade e velocidade de propagação do que se diz, características que levaram o escritor Umberto Eco a diagnosticar, pouco antes de sua morte, que “a Internet deu voz a uma legião de imbecis”.
O segundo e endógeno vetor, articulado à imbecilidade, é o coerente irracionalismo, o anti-intelectualismo orgulhoso que marca as vidas de Trump e Bolsonaro tanto quanto marcou a de Hitler.
O fascismo é antes de tudo uma recusa virulenta ao conhecimento científico, ao esclarecimento e aos meios de construção de saberes. É a grande queima de livros de 1933 ampliada e tornada presente quando Trump sugere ao público beber detergente para combater a Covid, ou quando Bolsonaro oferece cloroquina para o gado bípede e emas.
O terceiro, do mesmo modo conectado aos anteriores, é o misticismo. Cada uma das encarnações do fascismo escreveu sua própria mitologia, construção farsesca de uma narrativa eivada do heroísmo de valentões de cinema e do WhatsApp, e nenhuma delas com “aderência na realidade”, para homenagear o elegante eufemismo do Ministro da Justiça.
Contra o mal do misticismo, livros como “O mundo assombrado pelos demônios” do saudoso Carl Sagan seriam vacina e cura eficazes, se antes a leitura e o aprendizado já não houvessem sido mutilados.