21 de outubro de 2024
Por Heitor Trulio Paes
Quais são os limites éticos do jogo democrático? Embora seja de difícil delimitação, é essencial notar que se trata de um campo onde direitos fundamentais colidem, tornando-se necessário o sopesamento desses direitos, com a prevalência de uns sobre outros.
A princípio, estamos falando de liberdade de expressão, mas vejamos dois casos em nossa história recente em que, apesar do exercício do direito à liberdade de expressão, houve aparente contradição com princípios fundamentais da República brasileira.
Em 17/04/2016, o então deputado Jair Messias Bolsonaro, na votação do impeachment da Presidente da República, afirmou em seu discurso que, “pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, pavor de Dilma Roussef”, seu voto era “sim”. Ustra, no entanto, foi um torturador — reconhecido pela justiça brasileira como tal — envolvido em um caso de desaparecimento e tortura de uma família, a qual incluía crianças de 4 e 5 anos.
Mais recentemente houve o caso da apresentação de um laudo falso, que “comprovava” o uso de drogas, por Pablo Marçal, candidato à Prefeitura de São Paulo, contra Guilherme Boulos, após diversas insinuações de que Boulos seria usuário de drogas, numa tentativa de descredibilizá-lo diante dos eleitores paulistanos.
Vê-se que ambos se utilizaram do direito à liberdade de expressão para propagar mensagens antirrepublicanas. No primeiro caso, negando o direito à cidadania, à dignidade da pessoa humana e ao pluralismo político. No segundo, ainda que guarde relação com os direitos citados anteriormente, a conduta lesou de maneira mais grave um indivíduo, incidindo a tutela penal em razão dos crimes de injúria e difamação.
Temos, portanto, alguns indícios dos citados “limites éticos do jogo democrático”. Primeiro, os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, postos em nossa Constituição Federal em seu art. 1º, dentre eles os direitos à cidadania, à dignidade da pessoa humana e ao pluralismo político. Além disso, há a questão da propagação de mentiras e ofensas, casos em que a tutela penal se aplica, por se tratar de uma conduta direcionada diretamente a um indivíduo.
Logo, ao analisarmos as falas de figuras públicas, devemos nos perguntar se são compatíveis com os ideais de Estado e se ofendem a integridade do indivíduo mencionado.
Por fim, a liberdade de expressão, embora essencial, deve respeitar os princípios republicanos guardados pela Constituição. Quando figuras públicas ultrapassam esses limites, promovendo desinformação ou exaltando valores antidemocráticos, ameaçam a integridade do processo democrático e do próprio Estado. Como cidadãos, devemos nos manter alertas para não sermos ludibriados e para que sejamos combativos diante de discursos antidemocráticos, defendendo nossa cidadania e nosso Estado.