Normando Rodrigues Advogados

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8 de novembro de 2024

O Tarcísio da vez

Por: Normando Rodrigues

Na noite de domingo, 27 de outubro, o prefeito reeleito de São Paulo apontou no discurso de vitória aquele que teria sido o grande responsável pelo sucesso e seu “líder maior”, Tarcísio de Freitas.

Horas antes, recém iniciada a votação e absolutamente seguro de sua impunidade, Tarcísio cometera crime eleitoral de abuso de autoridade, ao usar da qualidade de governador de estado e chefe das polícias para “denunciar” que o famigerado PCC orientara voto em Guilherme Boulos.

O método de Tarcísio é o clássico do fascismo: mentiras, ameaças verbais e violência física. Começando por esta última “qualidade”, sob sua direção a Polícia injustificadamente Militar de São Paulo redobrou as cargas de brutalidade e de letalidade. E o próprio governador assume que aprendeu a assim tratar pobres no Haiti.

Tarcísio foi oficial do Exército pela Aman, a partir de 1997, graduou-se em engenharia civil pelo Instituto Militar de Engenharia em 2002 e obteve grau de mestre em engenharia de transportes em 2008, no mesmo IME. No interregno entre graduação e mestrado, Tarcísio integrou de 2005 a 2006, a polêmica missão do Exército no Haiti, a Minustah, comandando a seção técnica da Companhia Brasileira de Engenharia, da “Força de Paz” (aspas para a ironia).

É essa a experiência idealizada por Tarcísio, a duvidosa conduta dos militares brasileiros, tidos no Haiti como estupradores e ladrões de cabrito, segundo o antropólogo  Rodrigo Bulamah, da UERJ. Pior ainda, construíram fama de assassinos.

Na madrugada de 6 de julho de 2005, 300 militares brasileiros, sob comando do general Heleninho, entraram na maior favela de Porto Príncipe, dispararam cerca de 22 mil tiros e mataram 63 pessoas, ferindo outras 30.

A atrocidade brasileira foi levada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos, e ao escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Essa primeira e grave denúncia de barbarismo por parte das tropas brazucas abriu a porta para outras e seguiram-se mais de 2 mil queixas de abuso e exploração sexual por parte dos soldados, 300 das quais vitimando crianças!

De volta ao Heleninho, o caso do massacre na favela foi robustecido por estudo da Universidade de Harvard que concluiu que o general tolerava toda série de abusos contra a população local, favorecia a impunidade de certas gangues e magnificava a violência que deveria combater.

A própria ONU cobrou do 1° governo Lula a remoção de Heleninho, ato que desagradou à milicada, Tarcísio incluído. Quatro meses depois, o substituto de Heleninho, o general Urano, foi encontrado morto em seu quarto de hotel. E aí o caso fica muito cabuloso.

Segundo Leonel Fernandez, presidente da República Dominicana de 1996 a 2000 e de 2004 até 2012, Urano teria sido assassinado por uma gangue armada pelos EUA. Motivo? Os criminosos estariam insatisfeitos porque o Exército Brasileiro não mais combatia a gangue rival, depois do escândalo do massacre de julho de 2005.

A experiência no Haiti não ensinou só brutalidade. Relações espúrias foram também desenvolvidas, em modelos que se duplicaram nas gestões, aqui, dos veteranos do Haiti, como narra o imprescindível Luis Nassif, em seu “A conspiração Lava Jato”.

Saído do Haiti, Tarcísio passou em concurso público assim que terminado o mestrado em engenharia de transportes, e se tornou analista de finanças e controle da Controladoria Geral da União. Na CGU, o cidadão escalou cargos até ser favorecido por uma trapalhada do governo Dilma.

Em 2011, num movimento equivocado para combater a corrupção (combate por vezes tão ou mais danoso do que o próprio fenômeno combatido), Dilma promoveu uma boa limpa no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, o DNIT. Beleza? Seria, se ela em seguida não tivesse chamado os militares para postos-chave do órgão, presumindo crassamente que a milicada seria menos afeita aos malfeitos.

O general à frente da “intervenção militar” (não, ainda não haviam devotos de pneus às portas dos quartéis) nomeou Tarcísio para tocar as licitações do DNIT. É preciso dizer que antes dessa nomeação, o Tribunal de Contas da União havia declarado ilícitas quase uma centena de certames do DNIT, quase todos favorecendo empresas ligadas a 2 fundações por sua vez geridas pela turma do Instituto Militar de Engenharia, o IME onde Tarcísio se graduara e fizera mestrado.

Após a nomeação de Tarcísio, todos os convênios pendentes entre o DNIT e as fundações de práticas ilícitas foram por ele validados e outros mais criados. O personagem seguiu com uma série de condutas questionáveis no trato da coisa pública, muitas de agrado dos militares, assim se qualificando para ser ministro de estado do governo fascista de Bolsonaro.

E como ministro, o currículo de Tarcísio acumula tudo aquilo que os jornalões agora querem esquecer:

Tarcísio é comparsa dos passadores de boiada que em quatro anos destruíram os principais biomas do país numa escala antes, e não por acaso, só vista na Ditadura Militar;

Tarcísio se ombreou a todos os golpistas, em cada episódio em que os arruaceiros de Bolsonaro atacaram a democracia brasileira;

Tarcísio foi cúmplice do genocídio de 700 mil brasileiros, vitimados pelo anti-intelectualismo militante e pela obscuridade orgulhosa do bolsonarismo.

Tarcísio não é um “fascista moderado”, oximoro digno de quem usa o vil “racismo recreativo”. Tarcísio é um monstro como os demais que o neoliberalismo resgatou do esgoto da história. Talvez se diferenciando por, na hora de abrir a câmara de gás, ser capaz de fazer uma ligeira mesura e dizer com seu sorriso bexiguento:

“Queira entrar, por favor!”

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