2 de April de 2024
Vladimir Safatle, em artigo publicado no jornal El País no ano de 2020, atestou a morte da esquerda brasileira, incapaz de ultrapassar o limite ao qual havia chegado após catorze anos de mandato.
Obviamente essa conclusão não está limitada apenas à esquerda político-partidária. Incluem-se nela, por exemplo, os sindicatos e os intelectuais.
Quatro anos depois, o filósofo reitera seu ponto e acresce algo que vivenciamos na prática: não só a esquerda brasileira morreu, como a extrema direita se tornou a única força política real do país, com capilaridade nos mais diversos setores da sociedade e com uma pauta ideológica muito mais consolidada que a nossa.
Haverá quem critique o fato, baseando-se em argumentos do tipo “como pode a esquerda ter morrido se ganhou cinco eleições nos últimos vinte anos?”
A resposta é simples: mandato não é poder! A política adotada, principalmente a partir do mandato Dilma que antecedeu ao golpe (2014-2016), demonstra que a esquerda renunciou à busca pela utopia em nome da manutenção de uma frágil governabilidade. A esquerda deixou de ser capaz de impor um outro horizonte político.
Provas deste distanciamento ideológico existem aos montes. Para ficar nos exemplos mais recentes temos: as maiores derrotas da classe trabalhadora dos últimos anos (reforma trabalhista de 2017 e reforma da previdência de 2019) passaram quase sem resistência. Some-se a isso o exemplo covarde do governo federal ao suspender todas as manifestações sobre os 60 anos do golpe militar de 1964.
Em verdade, não há sequer um conjunto de políticas e ações capazes de indicar uma ruptura estrutural com o modelo neoliberal que nos é imposto, apenas uma necessidade constante de conciliação. O meme “Lula é bicampeão mundial de conciliação” não é mero casuísmo. Aliás, é justamente esta aposta na conciliação com setores neoliberais que fomentou o apetite do capital e alimentou os impulsos golpistas dos ressentidos de plantão, que apenas aguardavam uma janela de oportunidade e que agora circulam em todas as instituições sem qualquer constrangimento de verbalizar suas opiniões antidemocráticas e carregadas de preconceitos.
Não podemos deixar de destacar a eficiência da ideologia neoliberal incutindo o forte apelo individualista em detrimento do coletivo. Tal sentimento está entranhado em todas as instituições, os projetos pessoais se sobrepõem às demandas coletivas. O resultado é a fragmentação de pautas e o abandono da fundamental perspectiva do conflito de classes.
Vivemos uma crise profunda nos mais variados campos e não existe fórmula mágica que não seja o bom e velho debate e a atuação no chão de fábrica, o pé no barro. A esquerda brasileira, como conhecemos, de fato morreu. Porém, não temos tempo para o luto. Precisamos o quanto antes entender o que aconteceu e agir para a construção de uma nova esquerda.