27 de setembro de 2023
Quanto vale um escravo?
Por Lucas Petrucci
No editorial de 18 de setembro de 2023, a Revista Raça trouxe a seguinte manchete: “Leilão de jovens negros na Líbia! O real cenário do mercado de seres humanos”. O Jornal O Globo, por sua vez, trouxe, em matéria publicada em 17/06/2023, denúncia similar a respeito da já conhecida notícia do tráfico humano na Líbia na rota do Mar Mediterrâneo. Notícia já conhecida vez que, em 14/11/2017, a CNN trouxe a conhecimento público a exata mesma denúncia – “estão vendendo escravos livremente na Líbia”-.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse, à época, que estava horrorizado com as imagens divulgadas pela CNN. Foram prometidas medidas mais duras contra o comércio de pessoas. Seis anos depois, nada de efetivo foi realizado e a discussão não passa de insumo para se vender notícia. O horror da escravidão choca e vende, mas nada mais.
No Brasil, no início deste ano, o noticiário foi tomado pela grave denúncia de que havia trabalhadores em situação análoga à escravidão em famosas vinícolas do Rio Grande do Sul. As autoridades prometeram mão firme do Estado contra essa violência aos trabalhadores vulneráveis. No dia 10/03/2023, o G1, publicava a seguinte manchete: “Salton, Aurora e Garibaldi pagarão R$ 7 milhões em indenização após resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão”. Foi acordado que o valor seria assim repartido: R$ 2 milhões destinados a indenizar os mais de 200 trabalhadores resgatados e R$ 5 milhões para entidades, fundos ou projetos voltados para a reparação do dano coletivo. Ou seja, uma indenização de menos de R$ 10.000,00 para cada trabalhador escravizado.
Pergunta-se: ao menos a indenização impactou as 3 empresas? Sem dúvida as contas foram afetadas e os donos e acionistas vão sentir no bolso o que fizeram? Terá a indenização alcançado o necessário caráter pedagógico?
A resposta já é conhecida, em 11 de fevereiro de 2022, pela associação brasileira de supermercados: “Juntas, Vinícolas Aurora e Garibaldi faturaram cerca de 1 bilhão de reais”. Em 2022, a Aurora registrou sozinha o faturamento recorde de R$ 756 milhões na comercialização dos itens do seu vasto portfólio, segundo o seu próprio site.
Por mais asquerosa que seja a constatação, a escravidão é barata para o capital. O mercado sempre sai ganhando, grandes mídias lucram com “denúncias” cíclicas, grandes empresas lucram com mão de obra sem custos, já que, quando há indenização, esta é ínfima e o mercado segue regulando quanto vale um escravo.
No dia que o Presidente do Brasil discursou na abertura do debate geral da Assembleia Geral das Nações Unidas, tendo como tema central da sua fala o combate às desigualdades, é preciso aprofundar e trazer o debate para o cotidiano: quanto vale um escravo?
Lucas Petrucci é o autor.
Advogado, especialista em direito eleitoral, militante no direito do trabalho e coautor do livro Direito e Justiça, perspectivas contemporâneas sobre a desigualdade no Brasil.
Referencias: