
8 de December de 2021
O Estado é laico, o que significa dizer que as leis e a atuação das instituições públicas não podem ser pautadas em crenças e dogmas religiosos, ao mesmo tempo que nossa Constituição garante a todos liberdade religiosa para exercer sua crença (ou a falta dela) de forma livre.
Bolsonaro foi eleito com a promessa de indicar para o Supremo Tribunal Federal um ministro com o requisito elencado por ele mesmo de ser “terrivelmente evangélico”. Curioso relembrar que Bolsonaro até pouco tempo atrás era católico, mas ao observar a possibilidade de angariar votos dos evangélicos (que pularam de 9% da população no início da década de 90 para mais de 30% atualmente), achou conveniente ser batizado pelo Pastor Everaldo (que, além de pastor, é político e presidente do PSC). Também foi ungido pelo bispo (e dono da Record) Edir Macedo no faraônico Tempo de Salomão.
O interesse político é evidente, pois a relação da igreja evangélica com política é também um fato neste novo século. Em 2020 viu-se um aumento de 34%, se comparado com 2016, de candidatos deste segmento religioso, e vê-se um grupo de eleitores fidelizados a votar conforme pede seu pastor. Resultado: segundo o Datafolha, 70% dos eleitores evangélicos votaram em Bolsonaro em 2018.
Em 2021, ele pôde enfim cumprir sua promessa, ao indicar o advogado da AGU e também pastor presbiteriano André Mendonça para o STF, que foi sabatinado na semana passada pelo Senado. Na ocasião, Mendonça disse: “na vida, a Bíblica; no STF, a Constituição”. Mas, será possível que ele irá separar sua atuação enquanto jurista da sua crença pautada no moralismo religioso? É possível acreditar em seu compromisso com o Estado Democrático de Direito ou estamos cada vez mais perto de uma teocracia?
Bem, ainda esse ano, quando o coronavírus superava a cada dia o anterior em número de mortes, estados e municípios editaram decretos proibindo missas, cultos e outras atividades religiosas para evitar aglomerações. O então procurador-Geral da República André Mendonça recorreu ao STF visado suspender tais decretos e defendendo a liberação dos cultos, pois entendida que a proibição impactava “de forma excessiva o direito à liberdade de religião” e que era uma medida “particularmente excessiva”. Durante o julgamento no STF, citou trechos da Bíblia e afirmou que “os verdadeiros cristãos (…) estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e culto”.
Após a sabatina, disse a jornalistas que sua aprovação significava “um passo para o homem, e um salto para evangélicos”, parafraseando Neil Armstrong em sua chegada à lua, e já dando indicações claras de como será sua atuação como ministro e, por consequência, do risco para a sociedade de sua atuação, se pautada em sua moral religiosa e não na Constituição. Infelizmente, está muito claro o caminho que parece que irá trilhar.
Além da religião, outro ponto importante é seu alinhamento com Bolsonaro. Os pulinhos de Michelle Bolsonaro, dizendo “glória a Deus” e esticando os braços para o alto após a sabatina indicam bem isso. Faz parte do jogo político visando a próxima eleição e manter a angariação de votos desses eleitores, em número tão expressivo, além de ser válido também relembrar que ele irá herdar os processos de Marco Aurélio, dentre eles o da investigação sobre os cheques de Queiroz depositados para Michelle.
Talvez somente mesmo uma intervenção divina para nos ajudar a sair do caos teocrático que se instala no país.
Por Isabela Ceschin Celjar, advogada no escritório Normando Rodrigues & Advogados