9 de novembro de 2023
Por Normando Rodrigues
Feitores da Petrobrás mantêm viva a tradição escravagista. A única preocupação é extrair de pessoas humanas o maior tempo de vida, ao menor custo possível.
Ver o mundo através das lentes da lógica formal que apresenta nossas relações como “contratos”, significa não enxergar a materialidade das injustiças que nos cercam.
A redação do ENEM (com “M” final vindo de “médio” e não com “N” de “néscio” como grafou certo senador nascido em “Naringá”) foi certeira ao evidenciar o trabalho de cuidado, culturalmente imposto às mulheres. Mas há muito mais.
É a lógica formal o que impede perceber no ônibus lotado da volta para casa a sucessão histórica do navio negreiro de há 200 anos. Se antes a travessia de Angola ao Cais do Valongo durava 50 dias em bárbaras condições, hoje a viagem é de até 5 horas por dia, anos a fio, de pé e compactado. O trato, via de regra, é o mesmo: carga viva.
No entanto, a maior continuidade entre o trabalho escravo e o trabalho contemporâneo é a troca do tempo de vida pela expectativa de vida. Assim como escravo se sujeitava à morte em vida para não morrer, o trabalhador se submete para “ter tempo”, na ilusão de que o dinheiro comprará o imparável relógio. Na realidade, contudo, ele entrega tempo de vida.
A forma com que cada cultura organizacional aborda a captura do tempo de vida do trabalhador reflete os valores vigentes na respectiva sociedade e, em nosso caso, é maculada pelo legado escravista e pela cultura autoritária.
Na Petrobrás, longe de representar exemplo positivo, os feitores das áreas operacionais – sobretudo onde há trabalho confinado, onde a ilusão de poder, adquirida com a nomeação para cargos de mando, corrompe corações e mentes – extraem de pessoas humanas o maior tempo de vida, ao menor custo possível, à revelia de quaisquer regras.
A tática feitorial é fazer com que o crédito acumulado de horas extras, que deveria ser pago ao trabalhador em janeiro, seja “compensado” em folgas em novembro e dezembro, o que viola a cláusula 11, parágrafo 3°, alínea “b”, inciso “II”, do Acordo Coletivo:
“No mês de janeiro de cada ano, será apurado o saldo remanescente do banco de horas e efetuado o pagamento ou o desconto correspondente.”
Diga não!
Os feitores contam com o festivo “espírito do solstício de verão” para que os trabalhadores cedam e queimem em folgas o pagamento do tempo de vida que lhes foi subtraído.
Embutida nessa equação que poderia parecer vantajosa, há a economia escravista da Petrobrás, pois as horas extras pagas em janeiro receberiam os acréscimos do acordo coletivo, de até 100%. Já as folgas impostas, não têm acréscimo nenhum e são gozadas no esquema 1×1.